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Mulheres Inspiradoras: Silvana Correia

 

“Tenho muito orgulho de ser Catadora de Mangaba, porque desde criança até hoje, a gente cata mangaba e é um momento muito gratificante porque a gente vê muitas famílias sair de um sufoco por causa da mangaba”

 

Silvana Correia dos Santos tem 49 anos, nasceu na Barra dos Coqueiros e mora no povoado Capuã. Sil, como é chamada pelas amigas, tem três filhos e uma neta que é seu xodó. Sua criação foi com muita luta de seus pais, que trabalhavam na roça e na cata da mangaba. Silvana lembra com alegria da sua juventude, quando catava junto com sua mãe e, na entressafra da mangaba, ia para a maré ou mangue catar sururu, aratu, caranguejo e siri. 

 

“A gente vê muitas famílias sair de um sufoco catando mangaba e mariscos, são as opções que elas têm para colocar comida dentro de casa. A minha adolescência foi toda entre a mangaba e o mangue. Quando chegava a época do caju, a gente também catava muito caju e outras frutas da restinga, como o murici, o cambuí e o araçá, de grande importância nas nossas vidas e são até hoje, porque foram dessas frutas nativas que nós tivemos de onde tirar para a nossa sobrevivência aqui no povoado”. 

 

Assim como em outros territórios de mangabeiras, marisqueiras e extrativistas no geral, a especulação imobiliária tornou-se uma constante ameaça para a sobrevivência de famílias e da natureza. “Hoje a gente vê os condomínios chegando, devastando tudo, acabando com tudo e a gente não tem mais aquela liberdade de ter a cata das frutas nativas. A minha juventude foi de muita importância, quando chegava os festejos juninos era aquela animação, as quadrilhas, os forrós, muitas brincadeiras, o reisado, tinha o São João da roça que o pessoal fazia, hoje isso não existe mais aqui. Acabaram com tudo e era tão bonita a cultura do nosso povoado. Era todo mundo alegre, mas isso foi acabando, e chegou ao final, não deveria chegar, mas chegou”.

 

A vida de Silvana em Capuã não era fácil e, por isso, ela decidiu ir para São Paulo tentar a vida como muitos jovens fizeram à época. Para ela, a vida no sudeste era um sonho e ela conseguiu chegar até a maior cidade da América Latina aos 18 anos. Foi acolhida na casa de um tio, mas também viveu momentos conturbados no decorrer da convivência. Mesmo com todas as adversidades, Silvana conta que foi em São Paulo que compreendeu o seu destino. 

 

O seu primeiro trabalho foi em uma doceria, como ajudante de cozinha, e logo no início começou a sofrer com a rigidez das cobranças e com a “mangação” dos outros funcionários. Silvana conta que não sabia fazer muita coisa, que chegou na cidade apenas com o conhecimento da roça e que, por isso, era alvo fácil para pessoas maldosas que não se importavam em deixá-la para baixo com comentários depreciativos e humilhantes. Por pouco Silvana não desistiu daquele emprego, mas houve um momento de coragem que a fez persistir e isso aconteceu quando outra mulher pegou em sua mão e, sem julgamentos, decidiu ajudá-la a superar todo aquele sentimento de insuficiência que a maioria das pessoas imputaram a ela.

 

“Em todo canto a gente encontra pessoas boas. A salgadeira que trabalhava lá, quando a dona não estava na loja, me chamava e dizia: venha, eu vou lhe ensinar. E aí eu fui pegando o gosto da coisa, fui aprendendo. Entrei como ajudante de cozinha, lavando pratos, depois mudei de função, fui para a salgadeira, porque eu já conseguia fazer coxinhas, salgados. E depois, eu surpreendi a dona da doceria quando ela me viu fazendo bolos, que também foram ensinados escondido para mim. Eu só pedia para ela ver o que eu estava fazendo, e dali para frente, ela passou a ter mais confiança em mim, e aí já não tinha mais choro, já não tinha mais briga, era só alegria”. 

 

A confiança que conquistou da dona da doceria trouxe para Silvana conhecimentos que só foram confidenciados a poucas pessoas. “Ela tinha segredos com as receitas dela, ela não passava para ninguém, mas para mim, ela passou. Ela viajava e deixava o trabalho para eu resolver, porque ela sabia que eu ia dar conta. Foi aí que eu passei a desenvolver e um dia ela chegou para mim e disse: Isso que você aprendeu aqui, vai ser o seu futuro mais tarde, você vai levar para a vida. E hoje eu fico feliz com o que eu aprendi, foi difícil, mas eu aguentei, mesmo com o meu calar, até hoje eu não sou de estar respondendo as pessoas, eu entendo todo mundo, e quando eu preciso falar, não ofendo ninguém”.

 

Ainda em São Paulo, Silvana conheceu o pai do seu primeiro filho, sentindo-se sortuda por ter encontrado alguém para dividir a vida, a partir do momento em que contou da gravidez, a vida em casal se transformou para a pior e ela decidiu seguir sozinha com seu filho de volta para sua terra. Apesar de verbalizar que queria a separação, o seu marido na época viajou com ela para Sergipe com a justificativa de que não deixaria o filho, Silvana compreendeu o direito dele de pai, mas as atitudes dele não mudaram e, em Sergipe, ela concretizou a separação. A partir desse momento, Silvana decidiu que nunca mais moraria com homem nenhum. Conheceu o pai de seus outros dois filhos e estão juntos até hoje, cada um em sua casa, mas com uma relação sadia e respeitosa.

 

“Ele fez casa, mobiliou, mas eu não saio de minha casa para ir morar com ele porque eu quero preservar minha liberdade. Se eu não tive essa liberdade antes, eu quero ter agora, de eu ir para onde eu quiser e chegar quando eu quiser, fazer o que eu quiser e não ter aquele compromisso de estar ali sem poder fazer minhas coisas. Nenhum homem vai fazer isso mudar em mim. A minha vida é o meu trabalho, eu amo meu trabalho e eu vou exercer até o dia que Deus quiser”.

 

Silvana não tem medo do julgamento da sociedade sobre como decide a  maneira como quer viver e se relacionar. Mantém firme sua escolha de liberdade, mesmo que de maneira não convencional para os padrões impostos. Aprendeu, após sofrer em diferentes espaços, que é através da sua emancipação que pode ser feliz, indo fundo na proposta de autonomia financeira por meio do seu trabalho. Colocando em prática todo o aprendizado que recebeu de outras mulheres fortes como ela.

 

A Barra dos Coqueiros que Silvana lembra da sua infância é completamente diferente da que podemos observar hoje, tendo suas belezas naturais exploradas em diferentes frentes. O município se localiza na região metropolitana de Aracaju  possui pouco quase 42 mil habitantes, que acompanharam o processo de conurbação da cidade. Após a construção da ponte Aracaju – Barra dos Coqueiros, em 2006, o município da Barra dos Coqueiros encheu os olhos das grandes construtoras de condomínio e da especulação imobiliária. 

 

Com belezas naturais, clima quente e intensa passagem de ventos, em 2012 foi construído o Parque Eólico na área costeira do município, transformando ainda mais a vida dos pescadores e extrativistas que ali viviam. Não só os impactos sociais são visíveis, mas também os impactos ambientais, com a poluição do ar e do solo, limitando ainda mais a vida da população local na busca por sua saúde e seu sustento. 

 

Silvana já havia reparado na mudança do ambiente onde cresceu e construiu tantas memórias boas, passou a estar mais dentro de casa e acostumou seus filhos a estarem também, longe dos perigos de, porventura, serem considerados invasores das áreas cercadas por empreendimentos privados. De natureza calma, Silvana prefere procurar alternativas para manter sua paz ao invés de entrar em embates.

 

“Antes a gente andava em qualquer sítio aqui na Barra, os donos viam, apontavam as mangabeiras para gente ir catar, não brigavam, a gente podia catar o que fosse, mangaba, ingá, murici, cambuí, era muito gratificante, a gente tinha também as várzeas, onde a gente ia pegar os peixinhos, os camarões. Quantas vezes eu ia sozinha ao mangue, e trazia para meus irmãos o alimento para dentro de casa, eu ia para as roças sozinha e não tinha medo. Hoje a gente vê as cercas passadas nos sítios, a gente tem medo e esse medo domina tanto as Catadoras de Mangaba como as marisqueiras. A gente cansava de ir à praia com nossos pais, a gente ficava tão feliz quando a gente pegava um peixe, que trazia o alimento para nossa casa, ali a gente via que era farto em tudo. Se faltasse a farinha, a gente tinha a mandioca e ia à casa de farinha para fazer, se faltasse o feijão, a gente plantava na roça e ia lá pegar. Hoje estamos vendo os condomínios tomando conta, devastando tudo, tirando o povo que mora aqui, vai chegar o momento que eles vão jogar o dinheiro para que o povo venda as casas, saia daqui. Você acha que turista vai querer pobre no meio deles? Não vai”.

 

Silvana faz questão de mostrar que é uma mulher de fé, participa das atividades da igreja católica do seu povoado, gosta de ir a romarias e das ações de ajuda ao próximo que a entidade promove. Foi nessa fé que Silvana se apegou no momento difícil que todo o mundo passou a partir de 2019. A pandemia da Covid-19 foi cruel para muitas pessoas que perderam entes queridos, perderam trabalho, ficaram debilitados após contrair o vírus e viram as suas vidas mudarem com a falta de alimento e incentivo para a sobrevivência. Silvana recorreu a sua fé para atravessar momentos difíceis.

 

“Eu acredito, como diz o ditado, que a fé move montanhas. Eu tive medo da Covid-19, mas eu dizia ao mesmo tempo que Deus está comigo e nada vai me atingir ou vai me fazer abater. Foi um momento difícil o de viver trancada, sem poder ter contato com família, sem ter contato com nada, foi um momento de pânico. Mas eu dizia: Jesus, me socorre, não deixe eu me abater. Eu fiquei num estado que eu não ligava mais a televisão, porque eu fiquei em pânico e foi preocupante porque o que a gente coloca na mente, a gente fica com a mente devastada, mas eu com muita fé rezava, pegava meu terço e rezava 24h, pegava a minha Bíblia, via alguma passagem e era a palavra de conforto que eu precisava. Eu sou uma pessoa de muita fé, não me abato com qualquer coisa, não é qualquer coisa que vai me derrubar, eu posso até me fragilizar um pouco, mas eu me levanto porque a fé em Deus é grande demais”.

 

Sobre o projeto Rede Solidária de Mulheres de Sergipe, Silvana relembra as oportunidades que teve a partir das oficinas, cursos e intercâmbios oferecidos. Silvana pôde ter contato com outras mulheres e ouvir histórias de quem também guardava dentro de si a indignação de ver seus povoados sucumbindo a devastação ambiental e a extinção da atividade de catadora de mangaba.

 

“Em relação ao projeto, primeiro fomos reconhecidas como Catadoras de Mangaba, logo em seguida veio o projeto Catadoras de Mangaba, Gerando Renda e Tecendo Vidas em Sergipe, onde começamos a desenvolver os doces. A gente queimou panela, esbagaçou coisas, mas a gente conseguiu chegar ao que a gente queria. Depois vieram instrutores, dando um empurrão ao nosso trabalho e como eu já tinha experiência com biscoitos, bolos, trufas, com as instruções, a gente melhorou muito, porque a gente começou a acertar os caminhos e cada coisa que a gente ia inventando, dava certo. Acho que já temos de 30 a 40 produtos diferenciados com a mangaba e agora tem a linha diet, que tem sido bastante procurada. É um momento gratificante, quanto mais projetos em nossas vidas, melhor, porque aí a gente consegue criar mais coisas, desenvolver mais receitas e vai dando certo”.

 

 Recado de Silvana para as mulheres:

Que todas entendam que tudo o que elas quiserem, elas vão conseguir. Basta seguir em frente, aprender com as outras, colocar seus desejos em prática e pensar que consegue. A força do pensamento é grande e se unir a outras mulheres para realizar deixa tudo mais fácil e mais prazeroso.