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Mulheres Inspiradoras: Tainara Vidal

 

“Minha comunidade me acolheu como filha. O povoado Ribuleirinha é acolhedor e o lugar que muitas pessoas assim como eu, iriam amar viver, aqui tem uma paz e tranquilidade que não vi em lugar nenhum ainda”

 

“Sou Tainara Vidal, Catadora de Mangaba, tenho 30 anos, filha de uma Catadora de Mangaba e marisqueira e de um pescador. A Nara, como sou chamada, é uma mulher forte, de personalidade forte, destemida, mas também muito sensível e de um coração gigantesco. Sou a segunda filha de quatro irmãos, somos duas mulheres e dois homens. Sou apaixonada por minha família e tento de todas as formas ajudá-los. Além disso, sou muito observadora e curiosa”.

 

É assim que Tainara se apresenta em todos os espaços de fala que ela conquistou ao longo dos anos. Nara tem o dom com as palavras e consegue conduzir espaços de diálogo com destreza, organização e acolhimento. É uma ouvinte atenta de outras histórias, adicionando novos conhecimentos na sua trajetória de vida. 

 

Tainara nasceu no povoado Porto do Mato, em Estância, e mudou-se para o povoado Ribuleirinha ainda adolescente, mas já tendo vivido muitas experiências nos seus poucos 15 anos. Ela costuma olhar para o seu passado para compreender a mulher que é hoje, celebrando sua trajetória e os aprendizados. 

 

“A gente já nasce com um livro escrito. Fico pensando, se eu não tivesse casado com 15 anos, o que teria acontecido na minha vida? Porque foi necessário eu sair da minha comunidade para vir a outra para e passar por esse processo, de me tornar uma liderança comunitária, de valorizar a mangaba, porque assim como outras pessoas não valorizavam, a gente também não valorizava. Então, isso também foi uma construção. Será que eu hoje com 30 anos, ia falar com domínio que eu sou uma mulher negra? Eu tive uma transformação radical. Fico pensando às vezes em casa, se eu tivesse seguido outros caminhos, eu não sei como seria hoje”.

 

Foi através do seu reconhecimento enquanto Catadora de Mangaba que Tainara passou a compreender melhor a sua realidade, a de suas vizinhas e a das mulheres de sua família, que realizavam a prática sem o entendimento de que ali era um trabalho ancestral, de mulheres fortes que viviam do extrativismo.

 

O povoado Ribuleirinha, em Estância, se destaca pelas belezas naturais em sua extensão, com vegetação vistosa e belas lagoas. É caminho de inúmeros turistas que visitam o estado de Sergipe. A comunidade se desenvolveu a partir da prática do extrativismo e da pesca, tanto a cata da mangaba como a de mariscos, são funções que geram renda para muitas famílias. Tainara conseguiu ver, desde a sua chegada ao povoado, a devastação das áreas de mangabeiras para a construção de condomínios e espaços onde a comunidade local só passou a ter acesso para oferecer serviços. Grandes empresas da especulação imobiliária tomaram conta do espaço que pertence a uma população há muitas gerações. E ainda, para dar cabo de seus projetos, utilizam a força de trabalho para a manutenção de empreendimentos, que vão gerar ainda mais lucro para os proprietários. O contexto do local onde vive e o reconhecimento como Catadora de Mangaba foram essenciais para que Tainara externasse sua força como jovem liderança comunitária.

 

“Eu catava mangaba com a minha mãe e a gente não achava que era uma atividade de trabalho de primeira opção. Era nossa forma de sustento, catar e sair para vender a mangaba. Quando eu entrei no Movimento (das Catadoras de Mangaba), vi que era uma profissão, que nós mulheres tínhamos que nos orgulhar porque realizamos esse trabalho em nossa comunidade. Tem mulheres que ainda não se denominam como catadoras, não têm o entendimento da atividade como profissão e a gente luta por isso também, além de lutar por políticas, por apoio e incentivo para que a profissão sobreviva. Eu lembro que minha mãe falava: ‘minha filha, você tem que estudar para não viver a vida de cata da mangaba, porque isso aqui não é futuro’. E isso é uma preocupação recorrente, a mãe querer o melhor para o seu filho. Mas como que eu não posso ter uma vida melhor se eu vivo daquilo que a gente tem? A gente tinha que fazer a mudança na nossa comunidade, e mostrar que a gente poderia, de fato, viver da cata da mangaba”.

 

A chegada do projeto Rede Solidária de Mulheres de Sergipe trouxe outras contribuições para Tainara e para a comunidade do povoado Ribuleirinha. Inicialmente, elas se somaram às mulheres do povoado Manoel Dias, também em Estância, e construíram com outras Catadoras o projeto Catadoras de Mangaba, Gerando Renda e Tecendo Vida em Sergipe. Juntas e com o apoio da Petrobras, elas conquistaram a unidade produtiva em 2014, que se tornou o espaço de encontro para a realização dos cursos, produção dos alimentos e também ponto de parada dos turistas para a visitação da loja de comercialização. Esse apoio do projeto e a oportunidade de conhecer outras Catadoras são marcos importantes para Tainara.

 

“O projeto mudou completamente as nossas vidas. Tem gente na associação que não tem uma atividade e daqui tiramos nosso sustento. Antes, a gente só levava a mangaba para a feira e jogava fora o resto, mas os cursos de beneficiamento da mangaba nos possibilitam aproveitar ainda mais a potencialidade dessa fruta. São coisas que vêm para agregar para nossa comunidade, os cursos, as oficinas, workshops, feiras. A gente começou com o Movimento, a se reunir, se reencontrar e eu era muito tímida naquela época, mas sempre fui muito de ouvir, prestar atenção nas coisas. Eu gostava de ir aos eventos, mesmo que entrasse muda e saísse calada, mas eu estava ali, estava prestando atenção e eu consegui absorver e trazer para as meninas.  Eu não entrei achando que ia ser uma liderança, não é você que se denomina ‘eu sou uma liderança’, são as pessoas que dão esse nome a você, pela sua participação, por você trazer o retorno para comunidade”. 

 

Outro aspecto que Tainara considera relevante para sua formação é a convivência com mulheres de diferentes profissões e realidades, tudo isso proporcionado pelo projeto. “O projeto Rede foi o reencontro comigo mesma, por ser um projeto diferente dos anteriores. Aprendi a conviver com mulheres que não viviam só do extrativismo da mangaba, eram de início as artesãs de Carmópolis, depois as rendeiras, as artesãs da palha e a Rede não para de crescer. A sinergia que aconteceu com essa mistura foi tão incrível que, assim como eu, todas as Catadoras acolheram elas muito bem, e foi uma troca mútua. Hoje posso afirmar que o projeto me transformou, aprendi que não importa o que fazemos se o propósito for o mesmo podemos caminhar lado a lado. A Rede me ensina todos os dias a ser solidária, a respeitar as peculiaridades de cada mulher e de cada pessoa, a dar o tempo que cada uma precisa para desabrochar, me faz enxergar um futuro melhor e próspero não só para mim, mas para o nosso coletivo. A Rede acaba sendo nossa casa, nosso lar, nossa família”.

 

 

Recado de Tainara para as mulheres:

Às vezes a vida não é como queremos, vivemos em um mundo ainda muito machista, opressor e que nos violenta todos os dias de todas as formas, mas somos tão fortes, resistimos todos os dias e ainda conseguimos ser múltiplas em tudo que fazemos. Isso é tão incrível! Somos capazes de fazer coisas que nos dizem que não podemos, e podemos conquistar, ocupar e estar onde quisermos, somos a definição perfeita de resistência e existência, e podemos conquistar o mundo. Vocês não estão caminhando sozinhas, todas estamos juntas, mesmo que em lugares diferentes. E no final tudo se conecta.