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Mulheres Inspiradoras: Maria Jivanilde

 

“Antes de ser professora, eu sou rendeira, comecei a fazer a renda irlandesa com 11 anos. Eu tive a necessidade de aprender a fazer a renda por uma questão de sobrevivência”.

 

Maria Jivanilde dos Santos tem 54 anos, é professora de educação infantil e rendeira em Divina Pastora. Jivanilde começou a fazer a renda irlandesa aos 11 anos para poder dar continuidade aos seus estudos. Sua família muito humilde não tinha condições de pagar para que seus filhos continuassem após o quarto ano do ensino fundamental, mas Jivanilde já havia se apaixonado por aprender e decidiu ela mesma pagar por sua educação. 

 

Nascida em Aquidabã, sua família mudou-se para Divina Pastora quando ela ainda tinha seis meses de vida, seu pai trabalhava em uma fábrica de gesso e morava na fazenda do dono da fábrica, que cedia o espaço para os trabalhadores. Para estudar, Jivanilde e as irmãs percorriam até 5 km a pé, com dificuldades que não foram suficientes para tirar o seu ímpeto pela educação.

 

“A gente caminhava mais ou menos de 4 a 5 quilômetros, se chovia, a gente pegava chuva, pegava sol, se arriscava muito nas estradas. Tinham vacas paridas, touros muito fortes que corriam atrás da gente, muitas cobras na estrada. Então, era uma vida de aventuras que a gente vivia. Eu tenho seis irmãs e sou a terceira. Os sonhos das irmãs eram diferenciados, as mais velhas, o sonho era casar e constituir família e eu nunca tive esse sonho”.

 

Mesmo não tendo esse sonho, Jivanilde casou-se e teve dois filhos. Para ela, casar e ser dona de casa não era a vida que ela gostaria de ter. Motivada pela trajetória de uma família muito pobre, ela entendia desde pequena que a educação abriria muitas portas e oportunidades, que ela poderia conhecer realidades diferentes. Jivanilde lembra que seu pai trabalhava na fábrica e também na lavoura, produzindo alimentos que eles consumiam em sua casa. Além disso, pescavam para se alimentar.

 

“Na fazenda tinham rios, e na minha infância, esses rios tinham muitos peixes e camarões, a gente sobrevivia disso. E eu achava que nossa condição financeira era de carência. Eu tinha o sonho de estudar, ter uma profissão e sair da linha de pobreza. Eu, filha de pais analfabetos, minha mãe e meu pai mal conseguiram aprender a escrever o nome, mas leitura mesmo eles nunca aprenderam a ler. Quem mais me incentivou a estudar foi meu pai, que mesmo sendo analfabeto, vivia numa situação de inconformismo. Ele conversava sempre com a gente e ia explicando que ele não teve a oportunidade de estudar, mas que iria fazer de tudo para dar condições à gente de estudar. E é tanto que, mesmo morando na fazenda,  ele se esforçou, juntou um dinheirinho e comprou uma casinha aqui na cidade, uma casinha simples na época, mas ele fez a migração para a cidade para dar condições da gente estudar”.

 

Após o ensino fundamental, foi preciso se deslocar para Aracaju para cursar o ensino médio. Ao final, Jivanilde viu seu sonho de fazer faculdade se distanciar ainda mais quando se casou. Sua vida não era como ela gostaria, principalmente pelas atitudes do marido. Decidiu se separar quando seu filho tinha quatro anos e sua filha dois. Para Jivanilde, ela tinha muito claro na sua cabeça que homem nenhum a dominaria e a maltrataria e, por isso, não hesitou em sair de uma relação onde estava infeliz. Nesta época, já era funcionária pública da prefeitura de Divina Pastora, como telefonista. Em seguida fez o pré-vestibular e conseguiu entrar no curso de Pedagogia na Universidade Estadual do Vale do Acaraú. Em 2000 passou no concurso público municipal e, desde então, dá aulas para as crianças do município.

 

Desde os 11 anos, Jivanilde trabalha com a renda irlandesa e tem participado de associações de rendeiras do município. Atualmente é presidente da Associação dos Artesãos, Pequenos Agricultores, Pecuaristas, Renda Irlandesa, Rendendê e Outros (Apric), fundada há 15 anos. A associação hoje conta com 25 mulheres associadas com os mais diferentes conhecimentos de artesanato. Elas se reúnem tanto para entregar encomendas quanto para ensinar as mais novas.

 

A renda irlandesa é um patrimônio cultural do Brasil reconhecido em 2009 pelo IPHAN. Em Divina Pastora concentra-se o maior número de mulheres que fazem a renda irlandesa em todo o mundo,  sempre presentes em feiras e mostras contando a história e memória da arte, que se iniciou na região ainda no século XVI. A cidade também é reconhecida por sua religiosidade, pois todos os anos acontece a tradicional peregrinação à Divina Pastora, celebrando a padroeira do estado de Sergipe.

 

Em 2021, essas rendeiras foram convidadas a participar do projeto Rede Solidária de Mulheres de Sergipe. Com essa parceria, elas receberam oficinas de educomunicação, agroecologia e design de moda, novos conhecimentos que contribuíram para sua formação pessoal e profissional. A chegada do projeto Rede Solidária foi a oportunidade das mulheres reativarem a Apric.

 

“Com a chegada da Rede, eu e algumas mulheres não tínhamos mais nem a intenção de reativar a Apric, mas vimos a oportunidade de dar continuidade a um trabalho que começou lá atrás, que foi fruto de muita luta. Na nossa associação, não são todas que fazem renda irlandesa, abrimos para outras perspectivas, trabalhamos com ponto de cruz, rendedê, nós acolhemos quem faz outro tipo de artesanato também. Eu vejo que nem todas têm muita perspectiva porque a renda irlandesa é um produto que demora a ser feito, a ser comercializado, leva tempo para vender. Então, as pessoas acham que o retorno demora, mas ainda tem pessoas que estão se esforçando para aprender e levar adiante a cultura”.

 

Para Jivanilde, a continuidade da arte da renda irlandesa é algo fundamental para a sobrevivência da história da cidade. “Eu acho que a renda irlandesa não vai acabar, mesmo sendo poucas, ainda existem pessoas que têm interesse, têm pessoas jovens que procuram aprender, já estão fazendo. Assim vamos fazendo esse trabalho de formiguinha e vamos tentando inserir as pessoas no projeto, ensinando, mantendo viva a tradição”.

 

 

Recado de Jivanilde para as mulheres:

Se eu puder dar um recado às mulheres é que elas nunca desistam dos seus sonhos, que lutem pelos seus ideais, pelos seus objetivos, nunca caiam na besteira de confiar sua vida na mão de outras pessoas. Por exemplo, casar e depender totalmente do marido. Seja livre, lute por seus direitos, seus sonhos, seus objetivos, assim como eu fiz.