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Mulheres Inspiradoras: Valdiene Vieira

“Quando a gente cai, é nossa escolha se a gente levanta ou se a gente continua no chão. Eu prefiro levantar. Se eu cair mil vezes, mil e uma vezes eu levanto”.

 

Valdiene Vieira Santos tem 48 anos, mãe de cinco filhos e avó de quatro netos. É uma mulher preta, bacamarteira, artesã, pescadora, costureira e alfabetizadora. Mora no povoado Aguada, em Carmópolis. Criou os filhos sozinha com muita luta e aprendendo pelo caminho os ensinamentos das mulheres contemporâneas e ancestrais. Cresceu em uma família que celebra a cultura. A mãe de Valdiene, dona Anaildes dos Santos, também participa do projeto Rede Solidária e criou com muita luta sete filhos com a prática da pesca. Valdiene aprendeu desde cedo sobre a preservação dos saberes e dos ofícios ancestrais. O seu pai, Manoel Francisco Vieira, foi uma figura histórica do povoado, carpinteiro, pescador e representante do batalhão dos bacamarteiros, que inspirou Valdiene a seguir seus passos à frente do grupo cultural, mas não de forma convencional. Ela hoje é a única mulher do batalhão que atira com o bacamarte.

 

“A história de uma mulher atirar com bacamarte começou com Maria Grande, uma originária, que lutou contra o preconceito, fez o seu próprio bacamarte e mostrou que mulher também pode atirar. Minha luta foi com meu pai, que dizia que as mulheres no batalhão não iriam atirar. Eu fui lá e mostrei que eu podia e até hoje eu estou atirando. Só vou parar quando eu morrer. Isso é um exemplo de que, se nós mulheres não lutarmos, a gente não consegue, e eu sou da luta. Depois da morte do meu pai, eu fui a única que continuou atirando com o bacamarte, então eu sigo levando o legado dele. E eu me orgulho muito de ser bacamarteira, de mostrar que as mulheres podem fazer o quiserem, mesmo que digam o contrário”.

 

A perda do pai em 2019 ainda é um assunto delicado para Valdiene, que se emociona todas as vezes em que precisa falar sobre o assunto. Ela compreende que é preciso manter viva a história daquele que foi o seu exemplo e inspiração, além de outros membros da sua família.

 

“Eu tenho histórias que me marcaram bastante. Uma delas não aconteceu diretamente comigo, mas me marcou porque aconteceu com uma das minhas irmãs. Ela é uma mulher muito forte, lutou para sobreviver, trabalhou muito para criar os filhos e sofreu violência doméstica. Isso me revoltava porque era algo que eu não conseguia interferir como gostaria. Sobre o falecimento do meu pai, foi algo que me marcou muito. Eu sei que lutei o quanto pude para manter ele ao nosso lado, mas chegou a hora dele. Só posso mantê-lo vivo agora seguindo seus ensinamentos, contando para as pessoas sobre sua vida e fazendo aquilo que ele mais amava, que é a arte dos bacamarteiros. Então são histórias que marcaram e vão continuar marcadas na minha vida até eu morrer”.

 

Valdiene é uma mulher de personalidade forte, com opinião, vontade de aprender, resolutiva e muito comprometida com o que se propõe a fazer. Ainda lembrando de seu pai, ela conta que ouvia ele falar as histórias da origem da cultura em Aguada. Conta que os escravizados da fazenda Santa Bárbara tinham apenas um dia para descanso e usavam esse dia para festejar, acendiam uma fogueira e dançavam, saíam pelas redondezas cantando e dançando e as pessoas os alimentavam.

 

Aguada é o único povoado de Carmópolis que conserva ainda algumas práticas que remetem à história de surgimento da cidade e do povoado. Além dos bacamartes, a comunidade preserva a celebração do Samba de Aboio, associado ao culto à Santa Bárbara e à Iansã, fazendo um sincretismo entre o catolicismo e as religiões de matriz africanas. Valdiene faz parte do grupo de Samba de Aboio, que traz a fé em forma de canções. É ela quem canta a música no encerramento do documentário “Elas em Elos: a força das mulheres em rede”, lançado em 2023, pelo projeto Rede Solidária de Mulheres de Sergipe. Para Valdiene, a sua comunidade e as raízes ancestrais do povoado Aguada lhe trouxeram coragem para lutar.

 

“Foi aqui que criei meus cinco filhos sozinha, criei guerreiros que não desistem nunca, aprendi a ser guerreira com a história dessa terra. Eu tenho muito orgulho da minha vida, da minha sobrevivência, de tudo que eu já tive que passar. A gente tem que lutar para sobreviver, é um conselho que eu dou que foi dado pra mim, que minha vó deu pra mim. Sem luta não tem vitória. Como sempre digo, quando a gente cai é nossa escolha se a gente levanta ou se a gente continua no chão. Eu prefiro levantar. Se eu cair mil vezes, mil e uma vezes eu levanto”.

 

Valdiene lutou e luta para manter as tradições culturais vivas. Ela não é apenas a única mulher que atira com o bacamarte, ela é referência para outras gerações. A sua história de enfrentamento às negativas do pai sobre a sua função no batalhão de bacamarteiros trouxe como resultado uma mulher empoderada e firme na busca por seus sonhos, que carrega a tradição da família como carrega o bacamarte nas mãos. Essa atitude não beneficia apenas ela individualmente, mas toda a riqueza cultural da cidade, que possui muitas formas de expressão e que pode dizer em qualquer lugar que existe sim mulher que atira com o bacamarte.  

 

Em 2018, com a chegada do projeto Rede Solidária de Mulheres em Carmópolis, Valdiene aperfeiçoou suas habilidades tanto quanto rendeira como no aspecto da sociabilidade. Ela costuma dizer que foi com a convivência com as outras mulheres do Projeto que aprendeu a se abrir mais com as pessoas, a pensar melhor sobre os problemas e a praticar a empatia e a solidariedade.

 

“O projeto Rede para mim, significa resistência, luta diária para sobreviver nesse mundo machista. Porque o mundo é, sempre foi e vai continuar sendo por algum tempo enquanto a gente não conseguir vencer essa luta, machista. Eu cresci muito no projeto, aprendi a compartilhar mais do que antes, aprendi a partilhar. Antes, eu trabalhava e lutava sozinha. Com a Rede, eu conheci histórias de pessoas incríveis, histórias ricas e muito parecidas com a minha.  Eu adquiri e continuo adquirindo conhecimento e amizades sinceras”.

 

Recado de Valdiene para as mulheres:

Não desistam de fazer nada só porque alguém diz para você que você não pode. Você pode muito mais do que imagina. Tem que acreditar e tem que lutar todos os dias para alcançar seus objetivos e seus sonhos. Eu aprendi assim e acho que esse conselho muda a vida de muita gente.