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Mulheres Inspiradoras: Maria Eugênia Lima Santos

“O que mais me conforta e onde ocupo mais a minha mente é no projeto. Eu agradeço todos os dias por ter aceitado o convite e estar aqui aprendendo e fazendo o que amo”.

 

Maria Eugênia Lima Santos tem 46 anos, nasceu na cidade de Capela e quando tinha três meses de vida, seus pais mudaram-se para Carmópolis para trabalhar. Sua mãe era catadora de amendoim e o seu pai tirava leite e cuidava de algumas fazendas. Eugênia casou-se aos 18 anos e teve três filhos, fala com orgulho da maternidade e de como os ensinou a serem lutadores como ela. Seu primogênito  nasceu com oito meses, muito pequeno e frágil e aos três anos apresentou um problema no intestino. Na época, Eugênia já havia sido mãe do seu segundo filho e, em meio a tudo isso, descobriu que estava grávida pela terceira vez. Seu marido precisou sair de Carmópolis e trabalhar como caminhoneiro para uma empresa do Rio de Janeiro. Embora ela se sentisse fisicamente sozinha, tinha a companhia de seus filhos para aliviar.

 

“Logo no início chorei muito, pedia para ele voltar, porque eu não estava acostumada. Ele nunca tinha trabalhado fora, e passar três meses longe para só ficar uma semana aqui era muito difícil. Minha filha mais nova, na época tinha 14 anos, para nós foi muito difícil, porque a gente nunca teve essa experiência dele trabalhar tanto tempo fora e isso já faz nove anos. Agora eu já me acostumei um pouco, não vou dizer que estou acostumada a ficar sozinha, porque não estou, mas a gente tenta levar a vida”.

 

Eugênia afirma que não fez faculdade por opção, porque encontrou na maternidade uma nova perspectiva de vida. Nascida em família grande e tendo mais seis irmãos, compreende a estrutura familiar como o pilar principal de qualquer pessoa. “Se eu não fosse esposa, minha vida seria diferente. Eu prestei vestibular para Serviço Social, na época eu me identificava muito, mas depois que tive meu primeiro filho, decidi que viveria esse momento em família. A Eugênia mãe é brigona, é reclamona, é carinhosa e amorosa, de tudo um pouco. Fui criada na roça, com uma família que se ajudava e trago tudo isso para dentro da minha casa até hoje. Sempre fui de dialogar com meus filhos, de estar perto para o que eles precisavam. Hoje cada um tem sua vida, suas famílias, e eu continuo sendo o suporte caso eles precisem de algo. Ser mãe é o melhor trabalho para mim”.

 

A questão principal da liberdade da mulher é poder fazer escolhas. Eugênia escolheu ser mãe e dona de casa e carrega essa atividade, pouco valorizada em um contexto que celebra apenas as funções que geram lucros para grande empresas, com muito orgulho. O serviço doméstico alimenta debates na sociedade, pois são as mulheres que trabalham ininterruptamente todos os dias que formam os trabalhadores que atendem as expectativas do capitalismo. Quando Eugênia decidiu se dedicar a sua família, inicialmente não foi essa a reflexão que a fez tomar essa decisão, mas a de ser a protetora dos seus bens mais valiosos: os seus filhos.

 

Carmópolis é uma cidade que experimentou diferentes períodos econômicos, tendo grande crescimento durante a década de 1960 com a chegada da Petrobras na região. Historicamente, carrega muita memória da época do Brasil Colônia e das raízes das pessoas escravizadas, sendo passagem e ponto de refúgio. Carmópolis também é uma cidade que vive a sua religiosidade plenamente, com a passagem dos Carmelitas pela região e o estabelecimento de Nossa Senhora do Carmo como padroeira de Carmópolis. O Monte Carmelo é o maior ponto turístico da cidade, que ainda conta com áreas verdes e grandes expressões culturais.

 

A chegada da Petrobras em Carmópolis também foi um processo de desafios para a população. Nem todos os trabalhadores eram da cidade, vindo pessoas de outros lugares ocuparem cargos de destaque e, quando admitidos, os trabalhadores e trabalhadoras de Carmópolis exerciam funções em regime de terceirização. Inegavelmente, a Petrobras trouxe um crescimento econômico para o município, mas houve também uma inflação dos valores de alimentos e aluguéis na cidade, obrigando os moradores a procurarem outras formas de complementação de renda para poder sobreviver à nova realidade do local.

 

As mulheres usaram de suas habilidades manuais para enfrentar períodos difíceis e o artesanato se tornou uma alternativa de renda. Produzindo peças de qualidade e beleza, as arteiras carmopolitanas, além de garantirem sua sobrevivência, também conheceram outra forma de organização, com a criação de associações de artesãs que objetivavam o desenvolvimento e a ampliação do aprendizado e da renda de muitas delas.

 

Somado a todo o contexto histórico e econômico, em Carmópolis, Eugênia vivenciou e ainda vivencia os benefícios da organização das mulheres artesãs. Com a chegada do projeto Rede Solidária de Mulheres de Sergipe em 2018, que veio contribuir com a formação e o fortalecimento das mulheres para além de Carmópolis, ela foi convidada a fazer parte de cursos de macramê, que se tornou uma paixão e lhe deu a oportunidade de também tornar-se oficineira deste artesanato. Desde então, Eugênia vem aprendendo outras atividades que ocupam seu tempo e servem como terapia diária.

 

“Eu gosto de fazer macramê e com o projeto eu aprendi a fazer a parte de alimentos, como as geleias, os biscoitos. Meu quintal se tornou um quintal coletivo das mulheres do projeto, o que considero um desafio, porque mesmo tendo sido criada na roça, não levo muito jeito para mexer na terra, por isso é importante que seja uma horta coletiva, a gente se ajuda e o que uma não sabe, a outra ajuda. E o que mais me conforta e onde ocupo mais a minha mente é no projeto. Depois que eu entrei, eu me desliguei mais das preocupações de pensar no meu marido todo dia na estrada. Quando a dona Francisca me convidou para participar do curso de macramê, na época eu não queria sair de casa e ela me incentivou a me ocupar e conviver com outras pessoas. Lá a professora foi muito maravilhosa comigo, me compreendeu, teve paciência de me ensinar, é tanto que ela disse que eu fui a aluna que em uma semana aprendeu os pontos mais fáceis. Amo até hoje o que eu aprendi, agradeço todos os dias à Francisca por ter me puxado para fazer esse curso de macramê. Depois, quando o projeto se consolidou em Carmópolis, fui oficineira e pude passar para outras mulheres o que aprendi”.

 

A perspectiva de uma aluna se tornar oficineira faz parte da metodologia adotada pelo projeto, que valoriza o trabalho e a função das mulheres. Para as mulheres que participaram das oficinas, a identificação com as professoras foi um ponto importante para o aprendizado, falando a mesma linguagem, conhecendo o mesmo contexto e estabelecendo um ambiente mais confortável de ensino. Juntas, elas se apropriaram dos saberes e fortaleceram o movimento de reconhecimento do artesanato como trabalho, destacando a necessidade de continuidade de artes ancestrais.

 

O projeto Rede Solidária de Mulheres de Sergipe também contribuiu para o fortalecimento coletivo das mulheres e, dessa organização, surgiu a Associação de Mulheres da Rede Artesanal de Carmópolis (Asmurac), reunindo as artesãs e também as produtoras de alimentos com as frutas que brotam nos quintais produtivos. Via Rede, as mulheres criaram a marca Sabores de Carmópolis, uma linha de alimentos que abriga saborosas geleias de manga com maracujá, tomate com pimenta; biscoitos de tapioca e goiaba; trufas de variados sabores; e licores de maracujá, cambuí, jenipapo e outras frutas regionais.  O sonho individual de Eugênia é conseguir a sua casa própria e o seu sonho coletivo é que mais mulheres conheçam a associação e realizem suas atividades.

 

“Agora eu tenho mais consciência de que o artesanato não é só uma atividade para eu me ocupar, mas que pode ser minha fonte de renda para eu ter meu dinheirinho independente do meu marido. Isso é uma coisa que falamos muito na associação e que aprendemos com o projeto, sobre autonomia financeira. Nosso desejo é que outras mulheres tenham a experiência de estar dentro de uma associação, fazer amizades, aprender novos ofícios e crescer como mulheres e como pessoas também”.

 

Recado de Eugênia para as mulheres:

Meu recado é que sejamos mais gentis com as pessoas, que a gente não desista dos nossos sonhos, que continuemos batalhando para realizar tudo o que a gente deseja, sem passar por cima de ninguém, sem agredir outras mulheres. Porque precisamos nos fortalecer e nos unir, não competir uma com a outra. Foi assim que aprendi o que é o empoderamento, unida a outras mulheres trabalhadoras e batalhadoras.