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Futebol como prática de resistência das mulheres do Projeto Rede Solidária em Sergipe

 

Há muito tempo o futebol não é apenas “coisa de homem”, há quem diga que nunca foi, mas que o esporte se tornou mais uma ferramenta de exclusão criada pela sociedade patriarcal para demarcar atividades de homens e atividades de mulheres. Assim como na história do esporte, as mulheres do Projeto Rede Solidária de Mulheres de Sergipe, realizado pela Associação de Catadoras de Mangaba de Indiaroba (Ascamai), em parceria com a Petrobras e com o apoio da Universidade Federal de Sergipe (UFS), se destacam na organização e em encarar o futebol como algo a ser praticado por todas as pessoas.

 

O projeto atua em 11 municípios, com 19 comunidades e povoados e, durante o momento de escuta realizado pela equipe que faz parte do projeto, foram identificadas algumas mulheres que praticam o futebol como forma de diversão e também de competição, orgulhando-se dos torneios e campeonatos conquistados por elas e pelas companheiras. Há a prática do esporte nos povoados Pontal (Indiaroba), Aguada (Carmópolis), Mundéu da Onça (Neópolis), Porteiras (Japaratuba) e Lagoa do Junco (Poço Verde).

 

Breve história das mulheres no futebol

Hoje ouvimos muito falar sobre as ligas e torneios femininos no Brasil, nos empolgamos com a seleção feminina em campo e encontramos meninas que sonham em serem jogadoras de futebol. Uma das responsáveis pelo desejo de transgredir a regra de que o futebol deve ser praticado apenas por homens, é a criação de referências para as novas gerações. Já podemos dizer que Formiga, Marta, Cristiane, Sissi e muitas outras são referências para milhares de meninas que desejam seguir a carreira como jogadoras, e compreendemos que nem sempre foi uma tarefa fácil se destacar e poder bater no peito e dizer: eu sou uma jogadora de futebol!

 

Em 1941 no Brasil, foi publicado o Decreto-Lei 3.199 que proibia as mulheres de praticarem futebol. Esse Decreto apenas foi revogado em 1979 e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) regulamentou o futebol feminino só em 1983. Podemos ver que foram mais de 40 anos de proibição das mulheres no futebol em nosso país e, assim como todos os direitos conquistados pelas mulheres na sociedade, as proibições caíram por conta de muita luta, debate e resistência das mulheres.

 

Da década de 1940 até os dias de hoje, pequenos passos foram dados para a valorização e o reconhecimento das mulheres dentro do esporte. O futebol feminino ainda sofre com a falta de patrocinadores; alguns times relutaram até para colocar os nomes das jogadoras nas camisas; clubes grandes que ainda não possuem equipe feminina para representar seus escudos; estádios vazios, com ingressos gratuitos e jogos em horários insalubres e outras pequenas atitudes que continuam invisibilizando o esporte e as jogadoras.

 

Ainda somos obrigadas a presenciar, por exemplo, técnicos e integrantes de comissões técnicas acusados de abusos na beira do gramado treinando equipes femininas; árbitras e bandeirinhas tendo seus trabalhos questionados apenas por serem mulheres; a baixa contratação de treinadoras mulheres para os cargos; poucas mulheres trabalhando com o jornalismo esportivo. Apesar de ser constatada uma evolução na vida e na carreira das jogadoras, a insistência e a incidência das mulheres ainda se fazem necessárias para a prática esportiva.

 

Resistência das mulheres sergipanas

As mudanças acontecem de forma lenta e com muita luta e as mulheres do projeto Rede Solidária de Mulheres de Sergipe são parte dessa história de resistência da permanência das mulheres no esporte, convictas de que o espaço nas quatro linhas também é um espaço delas. Gildevânia dos Santos, 32 anos, começou a jogar futebol ainda criança e já sendo uma liderança que montou um time e chamou outras meninas para jogar no quilombo Lagoa do Junco, no município de Poço Verde. “Acho que eu tinha uns 11 anos quando montei meu primeiro time e a gente jogava aqui na comunidade, depois muitas mulheres viajaram, eu dei uma pausa quando engravidei, hoje nós temos de novo um time fixo, graças a Deus”, disse Gildevânia.

Gildevânia, zagueira do time da roça que ganhou o campeonato na cidade

 

Dentro de campo, Gildevânia é zagueira, fora dele é a liderança que organiza as mulheres para os torneios e tenta convencê-las a não deixar o time morrer, relembrando suas conquistas e lamentando a falta de apoio para as competições. “Nosso time é o Real Junco, aqui dentro tem o time de campo, mas nos torneios a gente vai com o society, porque não temos muitas mulheres que podem ir, as vezes os pais ou maridos não deixam. Recentemente entramos de brincadeira em um tornei em Poço Verde, só para ganhar o fardamento, sem expectativa porque a gente era um time da roça contra os times da cidade, mas nessa brincadeirinha nós fomos campeãs”, comemorou Gildevânia que nos conta que o time feminino se encontra pelo menos duas vezes na semana para treinar para os próximos torneios que surgirem.

 

Roseane dos Santos, de 32 anos, também zagueira, diz que se diverte entre amigas no povoado Porteiras, em Japaratuba, conta que o campo na comunidade é dividido entre as mulheres e os homens, cada um tem o seu dia e horário, mas elas sempre arrumam um jeitinho de ocupar o espaço para um “baba”. “Para as mulheres aqui, o futebol é uma prática para se reunir, uma coloca no grupo ‘ei, vamos bater um babinha’, e a gente vai. Dizer que o futebol é coisa para homem é puro machismo, aqui a gente divide o campo com os meninos, cada um tem o seu horário. Mas, se a gente quiser jogar, a gente coloca eles para fora, porque a mulher agora tem vez em todo canto”, aponta Nane, como é chamada no povoado.

 

Nane brinca em campo no povoado Porteira (Japaratuba)

 

Apoio e companheirismo entre mulheres

Outra marcadora em campo, mas na posição de volante, é Girleide Santos, moradora do povoado Mundéu da Onça, em Neópolis. Girleide passou toda a sua infância jogando futebol na comunidade, teve que parar depois de um problema de saúde e após se casar, mas para ela era natural que as mulheres ocupassem o campo para se divertir e para disputar torneios. “Desde os meus 10 anos eu vejo que tem torneio por aqui, a gente se organizava, fazia festa, os times vinham para cá, já ganhamos alguns torneios, é algo que eu vejo acontecer desde que me conheço por gente. É uma forma de empoderamento de nós mulheres, uma forma de união entre a gente e que não podemos deixar morrer”, declarou Girleide, que diz que o time de mulheres do povoado se chama Espírito Santo.

Volante Girleide Santos cresceu vendo as mulheres jogando futebol em Mundéu da Onça (Neópolis)

Alícia Salvador, presidente da Ascamai, considera o apoio para o time Meninas da Praia, no povoado Pontal, em Indiaroba, uma forma de empoderar as meninas que são o futuro da comunidade. Alícia não joga futebol, mas é uma referência e uma liderança para as mulheres na comunidade e, percebendo a vontade e a paixão das meninas que se uniram para montar o time, se somou na busca por patrocínio para o time.

“Eu vejo o time feminino daqui como uma ferramenta de empoderamento e organização de mulheres, podemos atuar em diversas frentes e o futebol é uma dessas portas que se abrem para a gente mostrar nosso valor. O time ainda não está completamente ativo, mas estamos iniciando aos poucos e nosso objetivo é que essas meninas se divirtam com o esporte e reconheçam a luta que foi chegar até aqui, ensinando também as próximas gerações que as mulheres unidas conseguem fazer qualquer coisa”, disse Alícia.